A visão nos capítulos 4-5, no livro de apocalipse, retrata um mundo celestial onde o trono de Deus e do cordeiro estão no centro, com todas as demais coisas de toda a criação o rodeando, na seguinte ordem:
1. Um arco-íris;
2. Os seres viventes que guardam o trono;
3. 24 anciãos sentados em tronos num segundo círculo externo;
4. E finalmente todas as outras criaturas do Universo.
As 17 referências ao trono de Deus nesses capítulos (do total 34 no livro), sublinha a centralidade da Soberania de Deus, pela qual Ele é climaticamente glorificado em 4.9-11 e 5.12-13.
Deus e Cristo são supremamente glorificados mediante ressurreição de Cristo, o que demonstra que Eles são soberanos sobre a criação, tanto para julgar, como para redimir.
Podemos claramente deduzir dos caps. 4 e 5, que o cordeiro está na mesma posição divina que o próprio Deus, um ponto reiterado ao longo do restante do livro, sendo também insinuado anteriormente.
Os caps. 4-5 introduzem e ofuscam todas as visões em 6.1-22.5, que fluem dessa visão introdutória e são para serem vistas como as consequências históricas da soberania Divina em seu exercício de redenção e julgamento (Beale). Deus e Cristo estão no controle supremo de todas as “desgraças” na vida dos crentes e também na vida dos descrentes.
A Soberania deles (de Cristo e de Deus) sobre tais eventos que consideramos desagradáveis, coloca diante de nós um problema teológico: Como pode a justiça, bondade e santidade de Cristo e de Deus serem mantidas se eles estão tão diretamente ligados como a causa suprema por trás de todos os julgamentos e por trás dos agentes demoníacos que realizam muito dos julgamentos destrutivos sob a definitiva supervisão Divina?
Alguns teólogos não acham que há um problema teológico, uma vez que eles não veem Cristo e Deus como a causa imediata dos julgamentos. Cristo, eles dizem, apenas permite ou tolera tais personagens como os 4 cavaleiros que executam suas desgraças.
Não apenas apocalipse vê o trono divino como ultimamente por trás das provações dos crentes e desgraças dos descrentes, mas a maioria das passagens formativas do AT para os selos, trombetas e taças, sem exceção, tem deus como a causa suprema das provações (Zc 6.1-8; Ez. 14.21; Lv. 26.18-28 e seus usos em Ap. 6.2-8).
A resposta para essa dificuldade teológica reside no objetivo final das desgraças, que é refinar a fé dos crentes e punir os infiéis, resultando na glorificação do Deus Trino.
A conexão direta entre os caps. 4-5 e as desgraças dos cavaleiros em 6. 1-8 esclarece esta questão. 6: 1-8 fala de um dos efeitos da morte e ressurreição de Cristo. Ele transformou o sofrimento da cruz em um triunfo, ganhou a soberania sobre os poderes do mal, que o tinham crucificado (cf. 1:18; Col. 2:15), e, posteriormente, usou-os para alcançar seus propósitos de aperfeiçoar o seu povo e punir aqueles que são recalcitrantes em sua maldade.
No final de ambos os caps. 4 e 5, e também no fim das visões, em 19: 7-8, afirma-se que os santos existem para glorificar a Deus; essa glorificação vem na conclusão da história por causa do casamento do Cordeiro com a sua noiva, que será perfeitamente adornado para a ocasião; o foco na noiva adornada se destina a levar os santos para glorificar a Deus.
Esta noção de glória divina é fundamental também para 21:1-22:5, uma vez que, como já vimos, a nova Jerusalém (= povo de Deus) só pode ser definida em relação à sua reflexão luminescente da glória de Deus (Beale).
De fato, a característica central da cidade é Deus e o Cordeiro, que brilha como uma lâmpada sobre a cidade (cf. 21: 22-23; 22: 5), de modo que a definição mais completa da nova Jerusalém é o povo de Deus em comunhão plena com Deus e Cristo, refletindo a glória de Deus e de Cristo.
Introdução
O propósito dessa pequena série de reflexões não é atentar para a teologia do livro de apocalipse (como p. ex. estudar a natureza de Deus, a Trindade, Cristologia, Eclesiologia, Teodiceia, Escatologia, etc, no livro de apocalipse). Antes meu humilde propósito é proporcionar reflexões teológicas importantes tanto no livro de apocalipse como na teologia bíblica do apóstolo João. Não irei tratar de questões introdutórias ao livro (como data, autoria, propósito, estrutura, gramática etc), o leitor perceberá essas questões pressupostas ao longo das reflexões (como o pressuposto de que foi o apóstolo João o autor).
Espero que as reflexões pontuadas in nuce, possa ajudar o leitor em sua compreensão desse maravilhoso e difícil livro da Escritura.
1. A vitória de Jesus.
Podemos notar que no livro de apocalipse, assim como no evangelho de João, a morte e aparente derrota de Cristo na cruz, é na realidade, seu glorioso triunfo sobre satanás.
Ap. 5. 5-14
5 E disse-me um dentre os anciãos: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a raiz de David, venceu para abrir o livro e romper os sete selos. 6 Nisto vi, entre o trono e os quatro seres viventes, no meio dos anciãos, um Cordeiro em pé, como havendo sido morto, e tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus, enviados por toda a terra. 7 E veio e tomou o livro da destra do que estava assentado sobre o trono. 8 Logo que tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. 9 E cantavam um cântico novo, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, e língua, e povo e nação; 10 e para o nosso Deus os fizeste reino, e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra. 11 E olhei, e vi a voz de muitos anjos ao redor do trono e dos seres viventes e dos anciãos; e o número deles era miríades de miríades; e o número deles era miríades de miríades e milhares de milhares, 12 que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. 13 Ouvi também a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e no mar, e a todas as coisas que neles há, dizerem: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos: 14 e os quatro seres viventes diziam: Amém. E os anciãos prostraram-se e adoraram.
O cordeiro ao morrer em resgate do povo de Deus recebe glória no mesmo nível que Deus o Pai. Na Cristologia Joanina, a glorificação de Cristo tem seu inicio na sua morte na cruz. Essa é a “ironia da cruz” sempre ensinada pela igreja, ou seja, Jesus reina e é glorificado na cruz, porque na cruz Ele vence nossos pecados e o diabo com seus demônios.
2. Seguindo os passos de Jesus.
Os seguidores do cordeiro são chamados a imitar o paradigma da vitória irônica de Cristo em suas próprias vidas. Através da perseverança da igreja em meio a tribulação, ela reina no reino invisível do Messias (cf. 1.9).
O corpo de Cristo exerce sua função real em meio a todo o sofrimento da mesma maneira que Cristo exerceu na cruz.
Apesar do corpo “externo” dos cristãos estarem sujeito a sofrimento e morte, Deus é fiel para guardar a alma regenerada de todos os santos.
3. A derrota dos inimigos da igreja.
Quando os inimigos da fé cristã persegue a igreja com sofrimento e morte, eles derrotam a si mesmo espiritualmente, eles se autodestroem, da mesma maneira que satanás foi derrotado mediante a cruz de Cristo.
Ainda que aparentemente aos olhos humanos, satanás teve uma vitória física sobre Cristo, o que ocorreu na realidade foi sua humilhante derrota. Essa realidade foi expressa em outras palavras pelo pensamento paulino em resposta ao movimento herético em Colossos da seguinte maneira: “…havendo riscado o escrito de dívida que havia contra nós nas suas ordenanças, o qual nos era contrário, removeu-o do meio de nós, cravando-o na cruz, e, tendo despojado os principados e potestades, os exibiu publicamente e deles triunfou na mesma cruz” (Cl. 2.14-15).
A opressão exercida contra os cristãos (quando não há arrependimento posterior), estabelece um aumento do juízo/condenação sobre os opressores na ocasião do julgamento final, e até mesmo se torna expressões de julgamentos presentes de endurecimento do coração das pessoas impenitentemente rebeldes (para João, com o advento de Cristo, há a inauguração do julgamento/condenação escatológico).
Percebemos uma relação paralelamente recíproca entre os dois povos. O povo de Deus sofrendo fisicamente mas triunfando espiritualmente da mesma maneira que seu Senhor, o Cristo. Da mesma sorte, o povo contra a igreja aparentemente triunfa na esfera física, oprimindo e matando a igreja, mas se auto derrotam e se auto destroem assim como o diabo, senhor deles.
O propósito retórico principal do argumento literário de João em Apocalipse (conforme colocado por Beale) é exortar o povo de Deus (que na ocasião passava por duras perseguições) a permanecer fiel ao chamado para seguir o exemplo paradoxal do cordeiro, e não se comprometerem, tudo com o propósito de herdarem a salvação final.
Entretanto, esse não é o alvo teológico principal do livro. O maior motif teológico do livro é a glória devida a Deus, por Ele ter adquirido plena salvação e condenação final.
Até mesmo a noção de Cristo e sua igreja reinando ironicamente em meio ao sofrimento, e a ideia dos perseguidores descrentes experimentando derrota espiritual em meio a sua vitória física, demonstra a suprema sabedoria de Deus, apontando para Sua Glória resultante disso tudo.
Os temas primários em 20.4-6 são vida e reinado. Isso significa que a função do milênio é demonstrar a vitória dos cristãos que sofreram. Aqueles que foram mortos pela besta são aqueles que verdadeiramente vivem, e de fato reinam com Cristo, não somente durante o milênio figurativo, mas ao longo de toda a eternidade (22.5).
Isso está de acordo com o restante do ensino do NT. O apóstolo Paulo diz: Fiel é esta palavra: Se já morremos com ele, também viveremos com ele; se perseveramos, também com ele reinaremos (2Tm 2.11–12).
20.4 Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos.
O foco nos acontecimentos no abismo (20.1-3), muda para os acontecimentos no céu. O verso 4 retrata os efeitos da queda de satanás (20.1-3) sobre a comunidade dos santos. O foco do v.4 é que a queda de satanás foi um juízo sobre ele que traz vindicação para os santos[1]. Tal vindicação é positivamente demonstrada pela ressurreição e reinado deles em tronos com Cristo[2].
Os eventos de 1-3 e os de 4-6 acontecem no mesmo espaço de tempo, a saber, os “mil anos”. As evidências para entendermos que mil anos não se referem a números cronologicamente literais são[3]:
1. O uso figurativo de números ao longo do livro.
2. A natureza simbólica do contexto imediato (p. ex. “correntes”, “abismo”, “dragão”, “serpente”, “selo”, “besta”).
3. O tom simbólico predominante em todo o livro.
4. O uso figurativo de “1000” no Antigo Testamento.
5. O uso na literatura judaica e cristã onde mil anos como figurativo da benção eterna dos remidos.
O julgamento inaugurado contra satanás (v.1-3) é a favor dos santos. Esses santos estão assentados em tronos para julgar. João associa os tronos aos 24 anciãos que representam o povo de Deus diante de Si mesmo, em outras palavras, estão reinando com Cristo no céu.
20.5-6 Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos.
No verso 4, o exercício do julgamento pelos santos, suas vidas e reinado com Cristo são efeitos da prisão de satanás (v.1-3). Agora esses efeitos são interpretados como “primeira ressurreição”, a identificação sacerdotal dos santos, proteção contra a segunda morte, e reinado[4].
O argumento mais substancial a favor do pré-milenismo é o “restante dos mortos que não reviveram” (5a). O restante dos mortos são os ímpios, e reviver claramente significa “ressurreição física”, então a primeira ressurreição deve ser física também. Um estudo do uso de ressurreição (ἀνάστασις), no NT daria também suporte a intepretação literal, visto que somente Lc 2.34 e Jo 11.25 são exceções. Também ζάω (viver), que aparece tanto no verso 4 como no 5, deve ser entendido literalmente.
Em contraste com a interpretação literal, devemos notar que ἀνάστασις (ressurreição) só aparece no apocalipse em 20.5-6. E a expressão “primeira ressurreição” não aparece em nenhum lugar do NT (ou no AT). Um estudo lexical das palavras que expressam as ideias de “primeira” e “segunda” deve ser realizado para compreendermos o significado de “ressurreição” no presente contexto[5]. Podemos adicionar o fato de que ζάω (vida) tem um fluxo variado de significado em Apocalipse e em outros lugares. Em apocalipse algumas vezes significa “ressurreição física” (1.18; 2.8), ou alguma forma generalizada de existência física (16.3; 19.20), mas geralmente tem uma conotação figurativa de existência espiritual, especialmente como atributo de Deus de eterna existência (6 ocorrências). Em 3.1 o verbo se refere a existência espiritual (provavelmente também em 7.17; 13.14)[6].
Devemos também notar que quando ἀνάστασις e ζάω (e seus sinônimos) aparecem dentro do mesmo contexto no NT, são usados alternadamente tanto para ressurreição física como para espiritual, como por exemplo, em Rm 6. 4-13 (cf. similarmente Rm 8.10-11; Jo 5.24-29)[7].
Entretanto isso não demonstra que esse é o significado em Ap 20.5-6, somente mostra que essas palavras podem ter esse duplo significado no mesmo contexto. Outros argumentos corroboram nosso ponto de vista, de que a primeira ressurreição se refere a “ressurreição espiritual” dos cristãos após a morte, ou o estado “intermediário”.
É evidente que a “segunda morte” do v. 6 se refere a alguma morte espiritual dos injustos, algo que envolve sofrimento eterno e consciente (20.10, 14-15). Por outro lado, a morte dos justos no v. 4 é uma morte física, literal. Portanto, existe a primeira morte física dos cristãs que é física, diferente da segunda morte dos ímpios, que é espiritual, e se existe essa diferença em relação a morte nesse contexto, é plausível que também exista na ressurreição.
Essa interpretação capta bem o pensamento do v.6, onde a primeira/eterna/espiritual ressurreição é a condição mínima para proteger alguém da segunda/eterna/espiritual morte.
No mínimo 4 objeções podem ser levantadas contra nosso argumento, e todas já foram habilmente respondidas (ver Beale, 1999), entretanto nosso espaço não permite a introdução do debate.
Essa breve exposição de apocalipse 20.1-6 (de fato, uma crux interpretum), pontua para nós (in nuce) as seguintes considerações: 1. Os “mil anos” são simbólicos e não literais; 2. O milênio é inaugurado durante a era da igreja, i.e., entre os adventos de Cristo (Sua obra redentora e sua parúsia); 3. A inauguração do milênio resulta no aprisionamento de satanás, tirando-lhe o poder de enganar as nações para destruir o povo escatológico de Deus (a saber a igreja); 4. Com a inauguração do milênio, os cristãos mortos reinam com Cristo no céu, como sacerdotes e reis, onde estão totalmente protegidos da segunda morte.
Nossas conclusões fluem de um trabalho exegético maior (sumariado aqui). As demais “partes” dessa pequena série serão ponderações mais técnicas sobre a passagem que servirão como evidências cumulativas que corroboram nossas conclusões.
[1] Beale, G. K. (1999). The book of Revelation: a commentary on the Greek text (p. 995). Grand Rapids, MI; Carlisle, Cumbria: W.B. Eerdmans; Paternoster Press.
[2] Ibid.
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] Ibid.
Existem três principais interpretações sobre o milênio, e todas elas com amplas variações que não serão catalogados aqui devido ao limite do nosso espaço. In nuce, temos: 1. O pré-milenismo, que entende a inauguração do milênio após a parúsia de Cristo; 2. O pós-milenismo, entende que o milênio ocorrerá no fim da era da igreja e que a vinda de Cristo será próximo ao fim do milênio, e; 3. O amilenismo, que entende que o milênio foi inaugurado com a ressurreição de Jesus, e terminará com sua vinda climática final (essa posição é mais bem representada pelo termo “milenismo inaugurado”, visto que “amilenismo” é muito vago) As duas últimas visões (Pós e Amilenismo) abordam apocalipse 20 de acordo com a interpretação simbólica do livro.
O propósito dessa pequena série de curtos artigos não é apresentar uma investigação exegética exaustiva da passagem proposta (isso requereria todo um livro), mas apenas pontuar algumas considerações exegéticas sobre o texto.
O milênio é inaugurado durante a era da igreja pela restrição Divina sobre a habilidade de satanás em enganar as nações e em aniquilar a igreja (20.1-3).
20.1 “Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente”. Essa chave é melhor entendida dentro do contexto do próprio livro de apocalipse. Essa chave do abismo provavelmente é a mesma que a chave da morte e do Hades que Cristo segura no capítulo 1, por ter derrotado a morte através da sua ressurreição (1.18). Assim, a chave figurativamente significa a Soberania de Cristo sobre o reino da morte. A mesma chave aparece novamente no capítulo 3, onde Cristo tem autoridade, não somente para ressuscitar os mortos no fim das eras, mas também de infundir vida espiritual na era presente[1]. Essa infusão de vida inclui a prevenção de que o maligno não iria mais enganar os membros da “sinagoga de satanás” na Filadélfia, para que eles conheçam a verdade e recebam vida espiritual (3.7-9).
A soberania de Cristo sobre a esfera da morte é amplificada no cap. 6[2]. Quando Cristo abri o quarto selo, temos a representação de sua suprema autoridade durante sua primeira e segunda vinda, subordinando os poderes satânicos da “morte e do hades” (6.8). Da mesma forma, a chave do poço do abismo o cap. 9 representa a autoridade soberana de Deus sobre os poderes demoníacos que habitam no reino da morte (9.1-2)[3]. Esses poderes demoníacos foram limitados por Deus para não afetar aqueles que possuíam o “selo de Deus sobre a fonte”.
A chave do abismo em 20.1 é similar as chaves dos caps. 1, 3, 6 e 9, especialmente dos caps. 6 e 9, que retratam realidade durante a era da igreja. O abismo de 19.1-2 e 20.1 provavelmente é sinônimo de “morte e Hades” em 1.8 e 6.18. Como em 6.8 e 9.1-2, aqui em 20.1-3 o reino satânica está sob a autoridade de Cristo, mediada aqui por um anjo, e em 20.1 apenas o diabo está sob a autoridade do anjo. Assim o símbolo da chave nos caps. anteriores possui geralmente um sentido de sobreposição com o uso em 20.1, ainda que a aplicação em cada caso seja diferente[4].
20.2 “Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos”. O debate aqui flui quase ad infinitum. Entretanto, se a relação entre as chaves acima estiver correta (que diz respeito a realidades inter-adventos), então a prisão do diabo e o milênio deve ser melhor entendida como a suprema autoridade de Cristo restringindo o maligno de alguma maneira ao longo da era da igreja[5]. Assim a restrição de satanás é um resultado direto da ressurreição de Cristo. O aprisionamento, expulsão, queda, do diabo aparecem em outros lugares do Novo Testamento nos mesmo termos, e a derrota decisiva do diabo ocorre com a morte e ressurreição de Jesus (Mt. 12:29; Mc 3:27; Lc 10:17–19; Jo 12:31–33; Cl. 2:15; Hb. 2:14)[6]. Mais estritamente, o aprisionamento pode ter sido inaugurado durante o mistério terreno de Jesus (Mt. 12:29; Mc 3:27; Lc 10:17–19). O aprisionamento foi climaticamente inaugurado com a ressurreição de Jesus, e deve permanecer até (perto) sua segunda vinda. De fato, 20.7-9,marca o fim do aprisionamento imediatamente antes da vinda final de Cristo.
A questão é: Como exatamente esse aprisionamento deve ser definido? À luz de 1.18 e 3.7-8, podemos dizer que satanás não tem mais autoridade sobre o reino da morte, como tinha ante da ressurreição de Jesus, pois ele próprio está sob autoridade messiânica, desde que o Messias gloriosamente triunfou sobre a morte e sobre o diabo através de sua ressurreição[7].
20.3 “Lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, é necessário que ele seja solto pouco tempo”. O verso 3 mostra especificamente a natureza do aprisionamento de satanás, i.e., “para que (ἵνα) não mais enganasse as nações”. Alguns argumentam que a prisão do diabo faz cessar absolutamente todas as suas atividades na terra. Entretanto, o aprisionamento (δέω) dele em Mc 3.27 (=Mt 12.29), não restringe todas as suas habilidades, antes, enfatizam a autoridade soberana de Jesus sobre ele. Portanto, o contexto e não a metáfora em si deve determinar o significado da prisão[8].
O diabo é expulso (ἐκβάλλω) pela morte de Cristo, mas isso não o restringe de todas as formas possíveis. Antes, isso o restringe de não permitir que as pessoas de toda a terra sejam atraídas para/por Jesus (Jo 12.31-32). O selo colocado sobre o diabo pode conotar encarceramento total, mas também pode conotar “autoridade sobre” (Dn 6.17). O selo de Deus sobre os cristãos não os protege de todas as formas, mas só os protege espiritualmente, salvíficamente, pois os cristãos sofrem perseguições físicas de muitas maneiras e até morrem por causa disso. O selo de Deus sobre Satanás o impede de prejudicar a segurança salvífica da verdadeira igreja, embora ele possa prejudica-la fisicamente[9].
Agora que a natureza do aprisionamento foi definida, outra questão precisa ser levantada: No que consiste o “enganar as nações”? Devemos olhar para o contexto novamente, e não para nossas especulações. Os versos 7-10 provê a resposta mais próxima, visto que o verso 7 começa onde o 3 termina. Em 20.7-10 o diabo é solto para seduzir as nações a fim de reuni-las para exterminar a comunidade do povo de Deus na terra[10]. Isso ocorrerá no fim da história, imediatamente antes do glorioso retorno de Cristo, que irá destruí-los com fogo.
Uma análise mais completa do restante das evidências no Novo Testamento, bem como o uso do Antigo Testamento aqui corrobora nosso ponto, entretanto, o espaço não permite tal análise.
[1] Beale, G. K. (1999). The book of Revelation: a commentary on the Greek text (p. 984). Grand Rapids, MI; Carlisle, Cumbria: W.B. Eerdmans; Paternoster Press.
[2] Ibid.
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] Ibid.
[8] Ibid.
[9] Ibid.
[10] Ibid.