Caro leitor, escrevo esse breve ensaio em forma propedêutica, após um breve insight reflexivo sobre o tema. O oleiro já confessa, a priori, sua incapacidade e indisposição para continuar a trabalhar nesse vaso de barro. Portanto, o que aqui se encontra in nuce, apenas iniciará uma renovada fomentação para futuras reflexões sobre o tema.
Os debates sobre a liberdade da vontade humana tendem ao infinito. A antítese entre determinismo e liberdade perpassa toda a filosofia greco-romana, bem como as diferentes escolas judaicas. Cada lado, (talvez) com a melhor das intenções, advoga ênfase ou na soberania divina ou na responsabilidade humana. Desde o século 17, dentro dos muros do debate cristão, arminianos e calvinistas labutam sobre essa questão. Teologicamente falando, os calvinistas afirmam tanto a soberania exaustiva de Deus como a responsabilidade humana, ao mesmo tempo em que negam o livre arbítrio, usando o termo técnico “livre agência” para descrever os atos livres e responsáveis que nós temos dentro da criação de Deus (mas de forma alguma nossa livre agência, per se, pode nos capacitar a escolher a Deus em vez do pecado, devido aos efeitos do último).
Embora concorde totalmente com a posição teológica calvinista, entendo que podemos refletir filosoficamente sobre o tema (e não apenas teologicamente), e para isso, partiremos de uma perspectiva da filosofia reformacional.
A filosofia reformacional (formulada sistematicamente por Herman Dooyeweerd) afirma que a totalidade da ordem criada é “composta” por diversos aspectos modais, os quais experimentamos coerentemente em sua totalidade no horizonte da nossa experiência humana em seu núcleo religioso, além de podermos distinguir e refletir sobre todos esses aspectos na atitude teórica do nosso pensamento. Todos esses aspectos modais significativos possuem diversas leis, cada um com seu núcleo de significado normativo.
Os seis primeiros aspectos (numérico, espacial, cinemático, físico, biótico e sensitivo) podem ser chamados de aspectos naturais, enquanto os demais aspectos (analítico, formativo, linguístico, social, econômico, estético, jurídico, ético, credal) são denominados aspectos culturais.
As leis dos aspectos naturais são inquebráveis, enquanto as leis dos aspectos culturais podem ser quebradas, funcionando como normas. A totalidade da criação participa de todos esses aspectos. Algumas coisas funcionam passivamente como objetos em alguns aspectos, enquanto outras funcionam ativamente como sujeitos em outros aspectos. Um objeto físico, como uma pedra, funciona como sujeito até o aspecto físico, e como objeto nos demais aspectos. Uma planta é sujeita até o aspecto biótico e um animal até o aspecto sensitivo e assim por diante.
O ser humano é sujeito em todos os aspectos da realidade. Entretanto, o núcleo de sua existência não pode estar imanente em nenhum desses aspectos. A filosofia reformacional encontra o núcleo da existência humana em seu coração, sede de todos os seus diversos aspectos. O coração humano é caracterizado, não pela razão, emoção ou vontade, mas pela sua disposição religiosa.
A condição humana pós-lapso, caracteriza-se essencialmente não por uma corrupção de um ou vários aspectos de nossa existência, mas pela corrupção da nossa própria fonte existência – o coração. Visto que o coração é essencialmente religioso, pois sempre busca sua origem e propósito, o pecado escravizou o próprio âmago da vida humana. Nossa religiosidade volta-se para uma falsa origem, imanente à criação (quer seja nós mesmos, ou algum aspecto ou coisa da criação). Nesse sentido, nosso problema é muito maior do que apenas a nossa vontade, mas o próprio núcleo existencial está corrompido e escravizado. Essa verdade escapa à investigação filosófica, pois nossa atitude teórica jamais pode penetrar no núcleo criado, corrompido e redimido do ser humano. Sabemos disso apenas com base na revelação especial.
Nessa perspectiva, temos uma base sólida para a responsabilidade humana. Somos responsáveis porque respondemos, como sujeitos, a todos os aspectos da realidade, e uma vez que esses aspectos significativos apontam para sua origem e propósito último, respondemos ao próprio Deus.
Não somente nossa responsabilidade, mas nossa liberdade criacional encontra um fundamento sólido. O ser humano caído, ainda que incapaz de voltar-se para o Deus verdadeiro por si mesmo, ainda é imagem de Deus, ainda age ativamente como sujeito em toda a criação. Nesse sentido, experimentamos liberdade cultural, pois os aspectos culturais são normativos. Podemos agir de forma lógica ou não, podemos fazer escolhas estéticas, econômicas, linguísticas, etc.
Entretanto, como nossas ações são religiosamente qualificadas, pois essa é nossa característica central, todas as ações humanas (ações físicas, mentais, linguísticas, etc.) são manchadas pelo pecado.
Paradoxalmente, a liberdade que o ser humano experimenta é determinada por normas, e só podemos fazer tais escolhas porque somos sujeitos (i.e., submissos) a essas normas.
Portanto, nossa livre agência se dá dentro dos aspectos modais da realidade criada. Mas como nosso coração transcende todos esses aspectos, caracterizando toda nossa existência como estrutura criatural, e este se encontra perdidamente corrompido pelo pecado, jamais podemos por nós mesmos, escolher o verdadeiro Deus. O último aspecto, o da fé – que ilumina todos os anteriores – permanece fechado para o seu significado último – Deus. A questão não é se a nossa vontade é livre, mas se nosso coração – que antecede e transcende nossa vontade – está em estado de rebelião contra Deus, ou se foi religado ao seu Criador mediante Jesus Cristo, a raiz religiosa da criação redimida.
Karl Marx é um ateu “moderno” (1818-1833) de grande influência. Filho de Alemães de origem judaica que se converteram ao luteranismo quando Marx tinha 6 anos. Foi aluno de G. W. F. Hegel (1770-1831), de quem recebeu forte influência. Aderiu ao ateísmo de seu colega Ludwig Feuerbach (1804-1872).
Após ações políticas radicais, que resultaram em sua expulsão da França (1845), juntou-se a Friedrich Engels para produzir O Manifesto comunista (1848). Engel o apoiou economicamente, permitindo que Marx passasse vários anos pesquisando no Museu Britânico, para produzir O capital (1867).
Desde os tempos de universitário, Marx já era um ateu militante. O jovem radical Feuerbach, que influenciou Marx acima de qualquer outro filósofo hegeliano, fundamentou a crítica de Marx sobre a religião, onde ele afirma que “a crítica da religião é a base de toda a crítica”. Com sua obra “A essência do cristianismo”, Feuerbach pulverizou a religião e entronizou o materialismo em Marx.
De Feuerbach, Marx extraiu esses três princípios a seguir:
1. “O homem é a essência mais elevada para 0 homem”.
2. “O homem faz a religião; a religião não faz 0 homem”.
3. A religião é “a reflexão fantástica na mente humana sobre as torças externas que controlam seu cotidiano, a reflexão na qual as torças terrestres assumem a forma de forças sobrenaturais”
O ateísmo de Marx ultrapassou os horizontes de Feuerbach. Ele queria que seu ateísmo fosse um artigo compulsório de fé e deseja proibir a religião completamente. Ele rejeitava até mesmo o agnosticismo. O materialismo marxista levou ao seu famoso slogan, “a religião é o ópio do povo”.
Marx acreditava fortemente que a religião cometeria suicídio quando o socialismo fosse adotado. Como a religião é reflexo do mundo real, não desaparecerá até “as relações práticas do cotidiano oferecerem ao homem nada menos que relações perfeitamente inteligíveis e razoáveis em relação a seus semelhantes e à natureza”. A utopia comunista deveria ser concretizada antes do término da religião.
Ética
Dentro da esfera da ética marxista, três dimensões dela são: relativismo; utilitarismo e coletivismo.
O relativismo assassina qualquer absoluto. Como corretamente expressou Nietzsche, “quando Deus morre, todo valor absoluto morre com ele”. O relativismo é intrínseco ao marxismo, um corolário de seu axioma ateísta. Existe, pelo menos, dois motivos para isso. Primeiro porque não há âmbito externo e eterno. O processo mundial dialético, ao se desenrolar, se torna o único absoluto. Como expressa Engels:
Rejeitamos, portanto, toda tentativa de impor a nós mes- mos qualquer dogma moral como lei eterna, suprema e imutável sob 0 pretexto de que 0 mundo moral tem seus princípios permanentes, que transcendem a história (v. Hunt, p. 87-8).
Segundo porque não existe uma essência que fundamente os princípios da conduta humana. Noções de bem e mal são definidas pela estrutura socioeconômica. A ética é produzida pela própria luta entre as classes.
O utilitarismo prega que o padrão de moralidade é sua contribuição para a construção de uma sociedade comunista. A causa suprema do comunismo se torna o norte absoluto, e tudo que a promove é bom e tudo o que a contraria é mal. Lenin definiu moralidade como tudo aquilo que destrua o capitalismo, unindo os trabalhadores na criação da nova comunidade socialista. Portanto, os fins justificam os meios. Esse ponto é rejeitado por alguns neomarxistas, que proclamam que os meios estão submetidos ao mesmo padrão moral que o fim (entretanto, esses já abandonaram o marxismo ortodoxo).
O coletivismo significa que, na ética marxista, o universal está acima do individual. Para Marx, a totalidade ética maior é a liberdade universal da vontade, e essa liberdade não é individualista, mas sim universal e coletiva.
Na utopia da sociedade perfeita, a moral privada é expurgada, alcançando os ideais éticos da comunidade.
Toda cosmovisão que se torna impraticável invalidasse a si mesma. O relativismo ético flui natural e inevitavelmente de um ateísmo “consistente”. O relativismo é autodestrutivo, pois a negação absoluta dos absolutos corta os próprios pulsos, substituindo um absoluto por outro. A sociedade socialista não descartou o absolutismo. E as falácias da ética de “o fim justifica os meios” são infames.
O marxismo apresenta um “idealismo admirável de objetivos” (utopia), mas demonstra um registro miserável de realizações. O inferno esteve próximo dos países marxistas, enquanto o paraíso fugiu sem pensar duas vezes. Os meios para se alcançar uma sociedade perfeita deixou um rastro massivo de destruição sem precedentes na história.
Na cosmovisão cristã, a sociedade é transformada pela regeneração e não pela revolução. A verdadeira liberdade não é o nascimento de um novo governo, mas o novo nascimento interior de um indivíduo.
Concluo respondendo a pergunta do título, Marx entendeu Jesus? Absolutamente não. Marx foi guiado pelo seu próprio coração “fabricador de ídolos”, e não pelos ensinamentos de Cristo. Qualquer teologia que esteja fundamentada/influenciada pelo marxismo está longe de ser uma teologia cristã, e qualquer um que diga que Marx “bebeu” de Jesus, ou não entendeu Marx, ou não entendeu Jesus, ou ambos.
1. Ν. C. Hunt, The theory and practice of communism.
2. Lyon, Karl Marx: a Christian assessment of his life e thought.
Norman Geisler, Enciclopédia de apologética cristã
1. Marx, O capital.
___, Marx and Engels on religion.
___, Selected writings in sociology and social philosophy.
Esse brevíssimo texto tem como objetivo mostrar o erro da Tradução do Novo Mundo (bíblia dos TJ´s) sobre o texto de João 1.1. Irei apresentar 4 argumentos, três deles baseados na gramática grega (o idioma original do texto) e o último baseado no próprio contexto. Esses breves 4 argumentos (bem resumidos) não esgotam, de forma nenhuma, o arsenal contra essa seita sobre João1.1, antes pretendo apenas mostrar que um simples estudo bíblico descontrói completamente a “hermenêutica” dos arianos modernos. Caso o leitor for cristão, espero ajuda-lo no diálogo com as pessoas dessas seitas para que possam “corrigir com mansidão os que resistem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, e que se desprendam dos laços do Diabo (por quem haviam sido presos), para cumprirem a vontade de Deus” (2Tm 2.25-26). Caso você esteja lendo esse texto e seja um “TJ” espero que Deus abra seu coração, e (caso não) apresente refutações aos meus argumentos.
Os argumentos são:
1. Não há artigo indefinido no grego.
2. Se João usasse o artigo definido antes do Deus da parte c do verso, Não faria distinção do Deus da parte b, ou seja, o verbo estava com [o] Deus e era [o] Deus, fazendo do verbo (Jesus) a única Pessoa da Divindade, estando com Ele mesmo (o que não faria sentido lógico João escrever assim), colocando todo o resto do Novo Testamento em contradição.
3. A presença ou ausência do artigo indefinido no grego não corresponde ao “o, a, os, as” ou “um, uma, uns, umas” do português. Antes o substantivo com o artigo enfatiza seu aspecto concreto, enquanto a ausência do artigo enfatiza o aspecto abstrato ou teológico. Duas regras se aplicam a ausência do artigo em João 1.1c. Primeiro, um substantivo predicativo antecedendo o verbo “ser” vem sem artigo (Deus – Θεὸς) para distingui-lo do sujeito (a palavra – ὁ Λόγος). Mesmo se a ordem da frase fosse invertida, não haveria artigo, pois [o] Deus (ὁ Θεὸς) estaria se referindo a Deus o Pai, enquanto Θεὸς apontaria para a qualidade da Divindade, ou seja, o verbo (Jesus) era Divino (o mesmo que dizer que ele é Deus).
4. O quarto e último argumento desse paper está baseado no próprio contexto mais próximo, portanto não é necessário nenhum conhecimento do grego, apenas saber ler. Os versos 2 e 3 dizem: Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez. João diz claramente que Jesus criou todo o Universo, ou seja, somente Deus, um ser todo-poderoso, Todo-sábio e bondoso poderia ter feito isso. Aqui os Testemunhas de Jeová irão dizer que Jesus foi um instrumento que Jeová criou (v.3a) e que houve um tempo que Jesus não existia sendo ele mesmo a primeira criatura que Deus criara. Mas olhem a incoerência com o verso 3 que diz: “Sem ele nada do que foi feito se fez”. Ou seja, se Jesus foi feito, e nada foi feito sem Ele, Ele mesmo teria que se criar a partir da sua não existência, o que é uma gritante contradição lógica, na verdade, isso é tragicômico.
Concluímos que os tradutores da Bíblia dos TJ´s (Tradução do novo mundo) ou não conhecem nada de grego, ou mudaram propositalmente o verso para se enquadrar em suas heresias, ou ambos (que é a minha opnião).
O propósito de João ter escrito esse evangelho é para que nós os leitores creiamos que Jesus é o Messias (profetizado no Antigo Testamento) e o Filho de Deus, e crendo, temos vida em seu Nome (Jo 20.30-31). Para termos vida, precisamos crer no Jesus das Sagradas Escrituras, pois somente Ele pode nos salvar. Crer em qualquer outro “jesus”, que contradiz aquele descrito na Bíblia é um erro hediondo que leva a morte. Portanto amados leitores, acautelai-vos dos falsos profetas, que parecem ovelhas, mas não passam de lobos.
O propósito deste artigo é analisar o Agnosticismo e verificar se há coerência (ou não) nesta visão filosófica.
Agnosticismo, termo cunhado por T. H. Huxley em 1869, vem de duas palavras gregas “α-γνοστος” (a-gnostos), que literalmente significa “não conhecimento”.
O agnosticismo ensina que certas reivindicações (esp. sobre a existência ou não de qualquer divindade) religiosas e metafísicas é desconhecida ou incognoscível. De um ponto de vista antropológico, essa visão ensina que a razão humana é incapaz de prover base racional suficiente para justificar a crença ou a não crença na existência de uma divindade.
Basicamente, há dois tipos de agnosticismo quando aplicado ao conhecimento de Deus, aqueles que declaram que a existência e a natureza de Deus são desconhecidas, e aqueles que sustentam que Deus é incognoscível[1]. Uma vez que o primeiro não elimina necessariamente todo conhecimento religioso, nosso foco estará no segundo tipo.
Cerca de um século antes de Huxley (1825-1895), os escritos de David Hume (1711-1786) e Immanuel Kant (1724-1804) estabeleceram as bases filosóficas para o agnosticismo.
Grande parte da filosofia moderna pressupõe a validade geral dos argumentos estabelecidos por eles, portanto, uma breve análise desses pensadores se faz necessária.
Até mesmo Kant era racionalista até ser “despertado do seu sono dogmático” lendo os escritos de Hume. No sentido técnico, Hume é cético, mas é usado para fins agnósticos. O raciocínio de Hume é baseado em sua afirmação de que existem apenas dois tipos de afirmações significativas[2]:
“Se pegarmos em nossas mãos qualquer volume, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, isso contém qualquer raciocínio abstrato a respeito de quantidades ou números? Não. Será que ela contém algum raciocínio experimental relativo a questão de fato e existência? Não. Jogue-os às chamas, pois não podem conter nada além de sofismas e ilusões ” (Enquiry Concerning Human Understanding – Tradução do autor).
Qualquer declaração que não seja puramente relacionada a ideias (definicional ou matemático) ou uma questão de fato (empírico ou factual) é sem sentido[3]. Logo, toda e qualquer declaração sobre Deus cai fora dessas duas categorias, tornando o conhecimento de Deus uma impossibilidade.
Todas as sensações são experimentadas como “totalmente soltas e separadas”. Conexões causais são feitas pela mente unicamente após fazer observações de conjuntos constantes de coisas em experiência[4]. Tudo o que alguém experimenta é fruto de sensações desconexas e separadas. Portanto não há conhecimento direto, nem mesmo do próprio eu, pois todo conhecimento que temos de nós mesmos não passam de impressões desconexas. Partindo da experiência, não pode haver conexões conhecidas, nem conexões necessárias[5]. Todas as questões experimentais implicam na possível realidade que lhe é contrária[6].
Segundo Hume, “todo raciocínio relativo a questões de fato parece ser fundamentado na relação de causa e efeito […] Só por meio dessa relação podemos ir além da evidência da nossa memória e dos nossos sentidos” (Hume iv, p. 2)
Causa e efeito nunca é a priori, mas sempre contingente a experiência, assim sempre havendo a possiblidade da falácia post hoc, i.e., certas coisas acontecem antes de outras, sem que necessariamente seja causada por elas, por exemplo, o sol nasce depois que o galo canta, mas não porque o galo canta[7]. Portanto, segundo Hume, não é possível conhecer conexões causais, e sem sabermos a causa deste mundo, somos necessariamente entregues ao agnosticismo em relação a Deus.
Ainda que possamos pressupor que todos os eventos são causados, não podemos conhecer essa causa. No seu famoso “Diálogos sobre a religião natural”, Hume afirma que a possível causa do universo pode ser: 1. Diferente da inteligência humana, pois as invenções humanas são diferentes da natureza; 2. Finita, já que o efeito é finito; 3. Imperfeita, já que existe imperfeições na natureza; 4. Múltipla, pois a criação do mundo parece mais com tentativas e erros de múltiplas divindades em cooperação; 5. Masculina e feminina, já que os humanos são gerados assim e; 6. Antropomórficas, com olhos, nariz, mãos (etc) assim como as criaturas[8]. Logo a analogia nos deixa a deriva do ceticismo em relação a possível causa do universo.
Kant subscrevia uma forma de racionalismo, onde o teísmo poderia ser racionalmente demonstrável, porém, após ler as obras de Hume, Kant mudou de posição.
Kant sustentava (segundo a tradição de Leibniz) que todo conhecimento é incontingente a experiência. Por outro lado, Kant concordava com Hume (e outros empiristas) que o conteúdo de todo conhecimento era adquirido somente através dos sentidos. Assim, os sentidos produziam a matéria prima do conhecimento, mas a estrutura do conhecimento é adquirida posteriormente na mente[9].
Essa miscelânea sintética convenientemente resolvia as tensões entre o racionalismo e o empirismo. Infelizmente o filho dessa amálgama é o agnosticismo, já que é impossível conhecer antes que o próprio conhecimento seja estruturado pela sensação (tempo e espaço), e pelas categorias do conhecimento (p. ex. unidade e causalidade), não há como ir de forma ontologicamente alheia a nós mesmos para conhecermos a realidade antes de a termos assim formada. Portanto, a realidade é relativa, pois uma pessoa só pode saber sobre algo para si própria e nunca o que de fato é, ou seja, só sabemos que algo existe, mas nunca sabemos o que de fato é (Kant p.173).
Além de haver um abismo intransponível entre a ontologia (ser) e a epistemologia (conhecer), entre as categorias de conhecimento e a essência da realidade, contradições irremediáveis aparecem quando tentamos atravessar tal abismo (Kant p.393), como por exemplo, a antinomia da causalidade. Uma vez que tudo é causado, não pode haver uma causa inicial, e séries causais devem começar no infinito. Mas é impossível que a série seja infinita e tenha um começo[10]. Esse é o paradoxo que se levanta quando aplicamos a categoria da causalidade à realidade.
Não exauri o arsenal argumentativo dos agnósticos, mas esses argumentos formam a base para a afirmação “Deus não pode ser conhecido”.
Há duas formas de Agnosticismo. A forma “fraca” simplesmente afirma que Deus é desconhecido. Isso abre a possibilidade de se conhecer a Deus e torna possível que alguns conheçam a Deus[11]. Esse tipo de agnosticismo não constitui uma ameaça para o teísmo cristão. A forma mais forte de agnosticismo afirma que Deus é incognoscível, tornando-se incompatível com o cristianismo.
Outra divisão existe entre agnosticismo ilimitado e limitado. O primeiro afirma que tanto Deus como toda realidade são incognoscíveis. O segundo apenas afirma que Deus é parcialmente incognoscível devido a finitude e pecado humanos. Essa segunda forma pode ser admitida pelos cristãos como possível.
Basicamente, isso coloca diante de nós três alternativas sobre o conhecimento de Deus:
1. Não podemos saber nada sobre Deus, pois Ele é incognoscível.
2. Podemos saber tudo sobre Deus, pois Ele pode ser conhecido plenamente.
3. Podemos saber alguma coisa, mas não tudo, pois Deus é parcialmente cognoscível.
A primeira opção é agnosticismo, a segunda é dogmatismo e a terceira é realismo. O dogmatismo é improvável, pois um ser precisa ser infinito para conhecer plenamente outro seu infinito. A fé cristã apenas encontra problemas com o agnosticismo ilimitado extremista.
O agnosticismo ilimitado é autodestrutivo, reduzindo-se ao absurdo. Conhecer o suficiente sobre a realidade para afirmar que nada pode ser conhecido obre ela é uma contradição explícita. Quem conhece algo sobre a realidade não pode afirmar que nada pode ser conhecido dela. Quem afirma não conhecer absolutamente nada sobre a realidade não tem fundamento objetivo para fazer qualquer declaração sobre a realidade[12].
Não é satisfatório simplesmente afirmar que todo o conhecimento da realidade limita-se as declarações cognitivas negativas, i.e., só podemos dizer o que a realidade não é, pois todo negativo tem seu contraponto positivo. Assim, não tem como categorizar algo como mero negativo sem possuir um conhecimento sobre o objeto. Portanto, o agnosticismo total derrota a si mesmo ao pressupor algum conhecimento da realidade para negar todo o conhecimento sobre ela.
Transformar o ceticismo em questionamento para evitar o dilema apenas o adia. Assim alguns agnósticos questionam: O que eu sei sobre a realidade? Tanto cristãos como agnósticos precisam responder a essa questão. Entretanto a afirmação “eu posso conhecer alguma coisa sobre Deus” é bem diferente de dizer “eu não posso conhecer nada sobre Deus”, esta última é uma contradição.
Alguns irão afirmar que a realidade finita é cognoscível, mas a realidade infinita não. Assumindo essa posição, já não se tem o agnosticismo completo, pois afirma-se que algo pode ser conhecido da realidade. Isso nos abre as portas para discutirmos se a realidade é finita ou infinita, pessoal ou impessoal, debate este que vai além dos limites desse artigo, bem como além do debate agnosticismo versus teísmo.
O argumento de Kant, de que categorias de pensamento (como unidade e causalidade) não se aplica a realidade também é falho.
Ao menos que as categorias da realidade correspondesse as categorias da mente, nenhuma afirmação poderia ser feita sobre a realidade, nem mesmo as afirmações de Kant. A não ser que o mundo real fosse inteligível, nenhuma afirmação sobre ele se aplicaria[13]. Segue-se necessariamente uma pré-formação da mente à realidade para se falar algo sobre ela (positivo ou negativo), caso contrário, estaríamos falando de uma realidade inimaginável.
Alguns irão afirmar que os agnósticos não precisam fazer afirmações sobre a realidade, mas apenas definir os limites do que podemos conhecer. Novamente, temos uma declaração contraditória. Dizer que alguém não pode dizer mais do que os limites do fenômeno e da aparência é como tentar desenhar uma linha na areia com as duas pernas juntas. Estabelecer limites firmes é sinônimo de ultrapassá-los. Como alguém pode saber a diferença entre realidade e aparência se não viu o suficiente da realidade e da aparência para fazer a comparação[14]?
Kant novamente dá outro passo para o mundo da contradição ao dizer: “O número existe, mas não se sabe o que é”. Será mesmo possível conhecer que algo existe sem saber nada sobre ele?
Quando se afirma que algo existe, é porque foi observado, pois se não foi observado não se poderia fazer tal afirmação. Para ser observado, mesmo que uma criatura estranha, foi preciso ter deixado alguma característica reconhecível como tamanha, cor e movimento. Mesmo algo invisível deve deixar algum efeito/vestígio para ser observado. Não é preciso conhecer a origem ou a função de um objeto para saber que ele existe. Tudo isso são afirmações sobre a realidade.
Assim como os Atenienses do século 1 (Atos 17), alguns ainda levantam altares para um deus desconhecido (αγνοστω θεω). Como vimos nesse breve artigo, existem dois tipos de agnosticismo: o limitado e o ilimitado. O primeiro é compatível com as declarações cristãs sobre o conhecimento finito do Deus infinito. Porém o segundo é autodestrutivo. Implica conhecimento sobre a realidade para negar a possibilidade de sua (da realidade) existência[15].
O agnosticismo ilimitado não passa de uma forma de dogmatismo. Ao negar a possibilidade de qualquer conhecimento sobre o que é real, acaba caindo no extremo oposto da outra posição que afirma o conhecimento total e exaustivo sobre a realidade. Ambas as posições são dogmáticas, sendo o agnosticismo um dogmatismo negativo (o que pressupõe seu positivo). O agnosticismo ilimitado não é apenas autodestrutivo, mas também é autodivinizador. Para um ser se enquadrar plenamente nesse tipo de agnosticismo, necessita implicitamente do atributo noético da onisciência. Portanto, somente uma mente onisciente poderia optar pelo agnosticismo ilimitado e obviamente homens finitos não possuem tal mente.
Concluímos que a porta permanece aberta para algum conhecimento sobre a realidade, pois ela não é incognoscível.
A. Flew. Theology and falsification
B. Lightman, The Origins of Agnosticism: Victorian Unbelief and the Limits of Knowledge, 1987.
David Hume, Investigação sobre o entendimento humano.
_______ Diálogos sobre a religião natural.
Collins. God in modern philosophy.
J. Deweese e J. P. Moreland. Filosofia Concisa (Vida Nova, Sp. 2011)
Spencer, First Principles (1862)
[A.] Passmore, A Hundred Years of Philosophy (1957; 2nd edn., 1966).
Ward, Naturalism and Agnosticism (*Gifford Lectures for 1896–8; 2 vols., 1899; 2nd edn., 1903
Stephen, An Agnostic’s Apology and other Essays (1893)
L. Geisler, (1999). Em Baker encyclopedia of Christian apologetics; Grand Rapids,
A. Armstrong, Agnosticism and Theism in the Nineteenth Century (1905)
MI: Baker Books
C. Sproul, Filosofia para iniciantes; (Vida Nova, SP, 2012).
Flint, Agnosticism (1903)
S. Hackett. The resurrection of theism
[1] Geisler, N. L. (1999). Em Baker encyclopedia of Christian apologetics (p. 16-17). Grand Rapids, MI: Baker Books.
[2] Ibid.
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] Cf. Ibid.
[8] Ibid.
[9] Ibid.
[10] Ibid.
[11] Ibid.
[12] Ibid.
[13] Ibid. p. 18.
[14] Ibid.
[15] Ibid.