Devemos começar respondendo uma pergunta: O que é oração?
Uma questão que parece muito simples, e na verdade o é, mas que muitas pessoas têm dúvidas, ou fazem diversas confusões, ou até mesmo respondem com base em suas imaginações especulativas ou experiências religiosas, mas raramente vemos repostas bíblicas na boca das pessoas que nos cercam, principalmente em nosso contexto evangélico contemporâneo.
Ao olharmos para o Novo Testamento, temos várias palavras que traduzimos por oração [1]. O principal termo, e é esse que iremos discorrer nesse breve artigo, é proseuchomai [2]. Essa palavra é composta pela preposição “pros” que significa “para” ou “em direção a”, e pela voz média de um verbo primário “euchomai” que significa “desejar, orar”. No Novo Testamento, sempre é de uma maneira explicita ou implícita, dirigida a Deus. Podemos concluir que oração é um intenso desejo por Deus, que resulta em uma santa e apropriada conversação com Ele. O Breve Catecismo de Westminster define oração como “Um oferecimento de nossos desejos a Deus, por coisas conforme a Sua vontade […]” [3]. Todas as pessoas naturalmente desejam e buscam os benefícios provindos de Deus, e não o próprio Deus. Desejar as bênçãos naturais/espirituais, ou bons sentimentos de experiências com Deus, ou o desafio intelectual que as Escrituras proporcionam crescimento da igreja, avivamento, moralidade, reconhecimento e aprovação alheia, acima de e no lugar do próprio Deus não é oração verdadeira e sim idolatria (ainda que essas coisas não sejam más em si mesmas). Desejar e buscar a Deus pelo que Ele é em Si mesmo é algo feito apenas pelas pessoas que foram regeneradas pelo Espírito Santo.
O fato de oração ser uma conversação com Deus é um axioma [4]. Mas quais seriam os corolários [5] dessa verdade? Quais seriam as implicações de uma genuína oração?
Ao olharmos para o povo de Deus da antiga dispensação, podemos aprender inúmeras e preciosas lições sobre oração. Toda a história de Israel está permeada, encharcada e sustentada pela oração. Na septuaginta, proseuchomai normalmente traduz a palavra hebraica “pãlal”, e é daqui que iremos aprender algumas lições sobre oração.
1º A oração do AT se caracteriza por se dirigir exclusivamente ao Deus único, o Deus de Israel, como Ele próprio Se revelou ao Seu povo (1Re 8. 22-23). Mesmo no judaísmo pós-exílio babilônico, onde se tinha uma ênfase em figuras humanas importantes (como Moisés e Enoque), ou até mesmo angelicais, toda a oração e toda a adoração cúltica, eram dirigidas somente ao Único e Soberano YHWH.
2º Os israelitas sempre oravam tendo em mente que eram parte de um povo, e não meramente indivíduos solitários. Salmo 35. 18 “Dar-te-ei graças na grande congregação, louvar-te-ei no meio da multidão poderosa”.
3º Eles sabiam o que eram esperar no Senhor. Salmo 25. 3 “Com efeito, dos que em Ti esperam, ninguém será envergonhado”.
4º Oravam conforme a vontade de Deus e tinham confiança que Deus ouviria suas súplicas. Salmos 65. 1-2 “A Ti, ó Deus, confiança e louvor em Sião! E a Ti se pagará o voto, ó tu que escutas a oração”.
Existe uma vasta quantidade de material, a saber, todo o Antigo Testamento, para aprendermos a arte da oração com o povo de Israel. Me detenho a essas quatro, as quais devemos aplicar a nossa vida. Nossa adoração deve ser exclusiva a Deus, o Deus das Sagradas Escrituras, exatamente como Ele se auto-revelou, e não a um deus que inventamos em nossas mentes, segundo a concupiscência de nossos corações. Também devemos sempre levar em conta que somos parte do corpo de Cristo e não indivíduos heróicos e solitários, devemos mostrar a nossa unidade, e orar uns pelos outros e com os outros irmãos. Também aprendemos que O Senhor nosso Deus é absolutamente Soberano sobre tudo e infinitamente digno de toda nossa esperança, e requer a nossa total confiança bem como nossa petição segundo Sua própria vontade revelada.
Oração não é um monólogo, e sim um diálogo com Deus. Ainda que Deus esteja acima de tudo e de todos, separado de Sua criação, Ele não é um ser incomunicável, ou algum olho cósmico arregalado e assustado em algum canto desse Universo escuro. Ele é uma Pessoa, e trata pessoalmente a cada um de nós, nos chamando pelo nome, sabendo até mesmo a quantidade de fios do nosso cabelo e todas as palavras da nossa boca, até mesmo antes delas penetrarem nossas mentes e saírem pelas portas de nossos lábios. Para encerrar essa seção no AT, irei trazer um exemplo diante de nossos olhos. O profeta Elias, em contraste com os 450 profetas de Baal em 1º Re 18. Eis o que sucedeu aos profetas de Baal:
Tomaram o novilho que lhes fora dado, prepararam no e invocaram o nome de Baal, desde a manhã até o meio dia, dizendo: Ah! Baal, responde nos! Porém não havia uma voz que respondesse; e manquejando, se movimentavam ao redor do altar que tinham feito. Ao meio dia, Elias zombava deles, dizendo: Clamai em altas vozes, porque ele é deus. Pode ser que ele esteja meditando, ou atendendo a necessidades, ou de viajem, ou a dormir e despertará; E eles clamavam em altas vozes e se retalhavam com facas e com lancetas, segundo o seu costume, até derramarem sangue. Passado o meio dia, profetizavam eles, até que a oferta de manjares se oferecesse; porém não ouve voz, nem resposta, nem atenção alguma (1º Re 18. 26-29).
A oração desses falsos profetas não passava de uma mera técnica para a manipulação de seu suposto deus, mediante uma torrente de palavras! E quantos de nós não fazemos coisas piores hoje? Ao invés de balbuciarmos coisas à Baal, fazemos isso a Deus, e tentamos manipulá-Lo e controlá-Lo mediante nossa devoção fingida e egoísta. O próprio Jesus nos adverte contra isso (Mt 6.7). Elias está no exato-oposto, ele estava sempre “diante da face de Deus”, e na “presença do Senhor”, em íntima comunhão com O Senhor, e em conversação numa gloriosa esfera de amizade com O Altíssimo! Tiago usa-o como um exemplo e uma motivação para oramos e termos tal comunhão, porque embora Elias fosse tal eminente profeta, ele era “homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos” (Tg 5. 17).
No grego clássico se usa euchomai como um termo técnico para a invocação de alguma divindade pelos pagãos. A mentalidade por trás dessas orações é completamente oposta ao ensino bíblico. Eles usavam essa palavra com um significado de “jactar se”, “ufanar se” e “asseverar”. Enquanto o ensino bíblico exige humildade diante do Deus Todo-Santo, os pagãos podiam se vangloriar diante de algumas de suas confusas e pitorescas divindades. Essas orações eram caracterizadas pela falta de certeza em serem ouvidas (como Deus ensina enfaticamente em Sua palavra que esses ídolos não podem ver, nem ouvir nem fazer coisa alguma). Além da vanglória, essas orações eram marcadas pelo egocentrismo. A falta de oração pelos outros e uma excessiva centralidade no “eu”. No grego profano, talvez umas das coisas mais marcantes é que as orações eram acompanhadas com uma oferenda com a finalidade de tornar o deus “favorável”. Nas Escrituras, temos o próprio Deus oferecendo o perfeito e final sacrifício, segundo o beneplácito de Sua vontade e não segundo as imaginações humanas, para pagar nossa culpa e vergonha, a saber, Jesus Cristo nosso Senhor, por meio do qual somos declarados justos diante do Deus que é infinitamente Justo, e somos introduzidos a gloriosa comunhão do Deus que é transcendentemente Santo.
No novo testamento, a oração está em plena conformidade com o que se aprende no Antigo Testamento. Mas algo importante a se notar, é que em todos os aspectos ela se intensifica e se aprofunda, como por exemplo: 1) Nosso conhecimento de Deus é intensificado. Na pessoa de Cristo, temos a plena revelação do Deus Triúno, A Trindade imanente é revelada na Trindade econômica, todas as gloriosas perfeições Divinas são claramente manifestas através de Cristo pelo Espírito, e a culminante completude das obras e da vontade de Deus são consumadas por Cristo Jesus. Ao nos achegarmos a Deus, temos um maior conhecimento de e comunhão com Sua Pessoa. 2) Nossa confiança é intensificada. Confiamos Nele como crianças, e podemos clamar Abba Pai (Rm 8. 15; Gl 4. 16). O próprio Cristo ensina e reforça essa certeza de que nossas orações provenientes da fé, serão ouvidas (Mc 11. 24 – “Por isso, vos digo que tudo o que em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco”).
Uma das orações mais marcantes das Escrituras, é aquela ensinada pelo Senhor em Mateus 6. 9-13 e em Lucas 11. 2-4. Longe até mesmo do início de uma exposição dessa passagem, irei apenas ressaltar alguns aspectos dela para nós. Não é sem motivo que ela inicia fazendo referencia a Deus, ao Seu Santo Nome, ao Seu glorioso reino e Sua perfeita vontade, dando a exclusiva primazia somente a Deus, seguindo de petições pelo pão de cada dia (Epiousios – inclui todas as outras necessidades cotidianas), pelo perdão dos pecados, pela preservação nas tentações e da libertação de todo o mal.
Aqui vemos a abrangência da verdadeira oração, desde as coisas mais elevadas e sublimes até as coisas mais básicas e mínimas de nossas vidas. Por isso Paulo nos ensina que não devemos “andar ansiosos por coisa alguma, em tudo porém, devem ser conhecidas diante de Deus nossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça” (Fl 4.6). E também Pedro diz: “Lançai sobre Ele toda a vossa ansiedade porque Ele tem cuidado de nós” (1º Pe 5.7). Apóstolos que aprendem direto do próprio Cristo que sempre ensinou a “não andarmos ansiosos pela nossa vida” (Mt 6. 25). Além disso, nossas orações devem ser profundamente mergulhadas nas brandas águas da simplicidade, devem ser marcadas pela nossa diligente concentração e perseverante disciplina, sustentadas pelas colunas da paciente confiança e humilde ousadia, seguindo pelo estreito caminho da nossa universal e alegre obediência, tendo sempre como alvo e fundamento a Eterna e Bendita Pessoa do nosso Glorioso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
O eminente comentarista bíblico Matthew Henry, nos ensina algo que denominei anatomia da oração . Ele divide o todo da oração nessas seguintes partes: 1) Adoração – composta por um espírito reverente e um sério fervor; 2) Confissão – após rendermos toda a glória somente à Deus, nós devemos nos humilhar e nos envergonhar, com um senso de nossa pecaminosidade e vileza; 3) Petição – Após a confissão devemos buscar em Deus nosso remédio, cura e ajuda, colocando Nele toda nossa esperança. 4) Ações de graça – Devemos nos achegar ao Trono da Graça para glorificar Seu Nome, não somente por uma adoração de suas infinitas perfeições, mas também por um grato reconhecimento de Sua Bondade para conosco. 5º Intercessão – a intercessão envolve todas as pessoas, desde as maiores as menores, desde mendigos a presidentes nacionais, desde nossos amigos íntimos até nossos piores inimigos. 6º Conclusão – Podemos então resumir nossos pedidos em algumas petições abrangentes e concluir nossas orações [6].
Após esse breve estudo em ambos os Testamentos, irei agora responder nossa pergunta: O que é oração? Já vimos que é nossa conversação com Deus, e algumas implicações disso, mas podemos cavar um pouco mais fundo. E para isso, me valo da resposta de John Bunyan, pastor batista do século 17, autor do conhecido livro “O Peregrino”. Bunyan nos responde da seguinte maneira:
“Oração é um sincero, sensível e apaixonado derramar de nossas almas diante de Deus, através de Cristo, na força e assistência do Espírito Santo, por aquelas coisas que Deus prometeu ou está em conformidade com Sua Palavra, para o bem da igreja, com uma fé submissa a vontade de Deus”.
Bunyan nos diz que oração é quando derramamos nossos corações diante de Deus, e ressalta a sinceridade colocando a como a primeira característica desse derramar. Sinceridade é uma grande parte do nosso exercício de oração, sem isso Deus não nos ouvirá. O Salmo 66. 18 diz:
“Se eu no coração contemplara a vaidade, O Senhor não me teria ouvido”.
A palavra que o salmista usa para vaidade é ‘âwen, que também pode ser traduzida por iniqüidade. Mas seu principal significado é o de vazio e futilidade, uma palavra vazia que implica falsidade ou engano. É usada para caracterizar as palavras dos ímpios no Salmo 10. 7: “A boca, ele a tem cheia de maldição, engano e opressão, debaixo da língua, insulto e iniqüidade (‘âwen)”. Em Provérbios 17. 4 diz: “O malfazejo atenta para o lábio iníquo (‘âwen), o mentiroso inclina os ouvidos para a língua maligna”. Certamente O Senhor não atenta nem inclina os ouvidos à orações insinceras, Aquele que é a própria verdade, Onisciente e Santo, com Seus Olhos flamejantes que sonda e conhece as recamaras mais intimas de nossa alma, sabe qual é a intenção de nossos corações em cada palavra proferida em Sua presença.
Bunyan não somente nos mostra qual deve ser a correta disposição de nossa alma, mas também inclui as afeições […]sensível e apaixonado derramar […]. Não devemos ir a Deus com nossos corações frios e inativos, e descarregar mecanicamente toda uma carga de palavras conhecidas, balbuciando meros conjuntos silábicos culminando num seco… Amém. Nossos corações devem estar inflamados com um santo zelo, e todas as faculdades de nossas almas devem estar plenamente envolvidas na atmosfera da excelência do exercício da oração na presença de Deus.
Deus nos ensina isso através do profeta Jeremias:
“Então, me invocareis, passareis a orar a Mim, e Eu vos ouvirei; Buscar me eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração”.
Nossos pensamentos devem estar no alto, onde Cristo está (Col 3. 1-2), nossas afeições devem estar santificadas e inflamadas pelo amor Divino, nossa vontade deve estar ansiando por Deus, como a corça suspira pelas águas, deve estar sedenta pelo Deus vivo(Sl 42. 1-2)! Nossos olhos espirituais da fé devem estar fixos em Cristo e nossas mãos vazias do orgulho de nossas obras mortas. Se não clamarmos a Ele de todo nosso coração (Os 7. 14), certamente Ele não nos ouvirá.
Sobre a assistência do Espírito Santo veremos no próximo capitulo. Bunyan prossegue dizendo da conformidade de nossas orações à Palavra de Deus. Quando não oramos de acordo com a Palavra de Deus, apenas desferimos flechas inflamadas com o fogo estranho da blasfêmia contra o Trono de Deus.
O Salmo 119 nos fornece claros exemplos dessa lição. O Salmista ora para que Deus o “vivifique segundo a Sua Palavra” (Verso 25) e também para ser “fortalecido segundo a Sua Palavra” (28). Suas súplicas estão embasadas na Palavra do Senhor (ver também os versos 41-42, 58, 65, 74, 81-82, 107,147, 154, 169, 170).
Até mesmo Cristo, tendo liberdade e autoridade para orar aparte das Escrituras, preferiu ficar em silêncio, do que orar em contradição a Palavra de Deus. Mateus 26. 53-54 “Acaso, pensas que não posso rogar a Meu Pai, e Ele me mandaria nesse momento mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder?”.
E aqui eu uno com a última parte da definição de Bunyan, que é nossa fiel submissão a vontade de Deus, que nos é revelada nas Escrituras. Cristo não somente nos ensinou assim (Mt 6. 10 “Seja feita a Tua vontade”) como Ele próprio orou assim em extrema agonia no Getsêmani (Mt 26.39). E quão graciosamente soa em nossos ouvidos as palavras do Espírito Santo através do apóstolo João:
“E esta é a confiança que temos para com Ele: Se pedirmos alguma coisa, segundo a Sua vontade Ele nos ouve!” (1 João 5. 14)
Para concluir esse primeiro capítulo, veremos a última parte que falta da definição de Bunyan, a saber, o benefício da igreja, e junto a isso, irei fazer um acréscimo que na verdade é a mesma coisa: A Glória de Deus. Digo que é a mesma coisa, porque o benefício real, espiritual e eterno da igreja é a Glorificação de Deus, e Deus é glorificado Sendo o Bem Supremo de Seu povo.
Oramos de verdade quando O Espírito Santo nos leva a orar, através da mediação exclusiva de Cristo, segundo a vontade revelada de Deus nas Sagradas Escrituras com a verdadeira, submissa e triunfante fé salvadora, visando a glorificação do Santo Nome de Deus na intercessão por Sua santa e amada igreja.
Vejamos essa gloriosa verdade nas Escrituras:
“Invoca Me no dia da angústia, Eu te livrarei, e tu Me glorificarás” (Salmo 50. 15)
Deus está nos ensinando através desse Salmos de Asafe sobre o verdadeiro culto prestado pelo verdadeiro adorador, em contraste com o falso culto prestado pelo hipócrita. Antes de dirigir se aos ímpios, Deus nos transmite essas doces e preciosas palavras, onde podemos aprender três coisas principais:
1º O mandamento/convite. “Invoca-Me”.
Deus tanto nos ordena como nos convida à oração. Quão graciosas palavras dirigidas a Seu povo. O verbo usado por Asafe aqui é “qãrã’ “ que também significa chamar, clamar, tratar pelo nome. Mesmo verbo que Moisés usou para descrever o “início” por assim dizer, do exercício da oração na humanidade caída/redimida: “A Sete nasceu lhe também um filho, ao qual pôs o nome de Enos; daí se começou a invocar O Nome do Senhor” (Gn 4. 26). Logo após O Senhor chamar Abrão para sair da sua terra e dar início a sua jornada como peregrino, Deus aparece a Ele e faz uma gloriosa promessa à ele e à sua descendência, então a reação de Abrão foi: “Ali edificou um altar ao Senhor, e invocou (qãrã’) O Nome do Senhor” (Gn 12.8). Logo após Deus nos chamar à vida espiritual através de Sua Onipotência irresistível na chamada eficaz, e damos início a nossa peregrinação espiritual rumo a Canaã espiritual, passamos a invocar O Nome do Senhor, passamos a “tratá-Lo pelo Nome” (como o verbo sugere).
2º A promessa da resposta. “Eu te livrarei”.
Reparamos sem muito esforço que Deus não fica coxeando entre responder ou não. Deus não nos deixa duvidosos quanto a se vamos ser ouvidos ou não. Pelo contrário. Palavras mais claras e diretas impossível! Para “Livrarei”, temos o verbo halás, cujo principal significado é fortalecer ou fortificar. É usado na promessa de Is 58. 11 “O Senhor te guiará continuamente, fartará a tua alma até em lugares áridos e fortificará (halas) seus ossos; serás como um jardim regado e como um manancial cujas águas jamais faltam”. Certamente quando estamos em comunhão com Deus em oração, temos todas essas coisas: Somos guiados por Deus, Ele nos fortalece e sacia nossa alma com a plena satisfação e alegria da Sua presença fazendo isso transbordar em nós para as outras pessoas.
Esse verbo também indica uma ação de “tirar para fora”, ou também comunica a noção de tomar armas para a batalha (Nm 31.3) bem como em se preparar para uma situação de prontidão militar (Js 4.13). Ou seja, em nossa angústia, quando clamamos corretamente ao Senhor, Ele nos livra, nos “tira para fora” dela, e caso isso não ocorra, temos a mesma promessa que Ele irá nos fortalecer para passarmos por nossas situações difíceis, Ele irá nos armar para a batalha, fazendo-nos mais vigilantes nessa milícia (Ver também Ef 6. 10-20). Nós clamamos e Ele nos responde, não no nosso tempo e nem exatamente como queremos mas O Senhor recompensa as orações feitas pelo Seu povo em fé submissa à Sua vontade.
3º O resultado. “…e tu me glorificarás.”
Deus é o começo e o fim o alfa e o ômega de nossas orações. É Ele mesmo que nos leva a orar, e é Ele mesmo que nos responde as orações, visando a finalidade última e suprema que é Sua própria Glória. Nesse mesmo Salmo 50, Deus através de Asafe, após dizer essas palavras (verso 15), começa a descrever os ímpios hipócritas que tem uma religiosidade externa mas se esquecem de Deus, e após duras palavras o salmo é encerrado com essas palavras do verso 23a: “O que me oferece sacrifícios de ações de graça, esse me glorificará”. Vimos acima com Matthew Henry que ações de graça fazem parte de nossas orações. Mas o que significa isso? O termo hebraico kabod é uma palavra freqüente no Antigo Testamento de onde temos nosso termo “glória”. O radical dessa palavra é kabad,cujo significo primário é “ser pesado”. O substantivo kavod significa gravidade, peso, grandeza e abundancia. Também pode ser usado no sentido de denso como em Ex 19. 16 (‘anan kaved, nubis gravis – A Vulgata trás “densíssima”, uma nuvem densa) e com muita freqüência com sentido de grande. As vezes kabod denota algo intrínseco, interno. Se usarmos a expressão idiomática hebraica, algo leve é algo vil e sem valor, e algo pesado, por assim dizer, referisse a grandeza ou a beleza de algo ou alguém [7]. Logo, a glória intrínseca de Deus, ou seja, a glória que Ele tem em Si mesmo, é o infinito valor de Suas supremas, eternas e imutáveis perfeições, em outras palavras, é o que Deus é em Si mesmo. Mas Deus também emana, demonstra e comunica o que Ele é internamente às Suas criaturas, que imediatamente se curvam e O glorificam em fervorosa adoração. Ou seja, Deus Se faz conhecido, Ele manifesta aquilo que Ele É, e nós, quando recebemos essa manifestação e somos transformados à Sua imagem, e passamos a adorá-Lo e glorificá-Lo pela Sua infinita e indescritível beleza. Essa é a finalidade de todas as coisas, a glorificação da Soberana Majestade Divina, e sem dúvidas é a finalidade da oração. Deus manifesta em Cristo, Sua exaustiva Bondade e Amor incondicional, bem como Sua paciência, Misericórdia, Santidade, etc. E nessa manifestação gloriosa e espiritual a nós, quando a contemplamos pelos olhos da fé, e a experimentamos em nossas almas, somos plenamente satisfeitos, cheios da plenitude de Deus em Cristo, e passamos a viver para Sua glória. È o que Cristo ensina em João 15. 7, 8, 11: “Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado O Meu Pai, em que deis muitos frutos…Tenho vos dito essas coisas para que a Minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa”.
[1] Outros termos comuns são: Aiteõ, apaiteõ, exaiteomai, paraiteomai (todos esses com sentido de pedir ou solicitar), gonypeteõ (cair sobre os joelhos), deomai, deêsis, prosdeomai, hiketeria, enteuxis (palavras que também denotam petição, súplica, necessidade e implorar).
[2] Proseuchomai (orar) ocorre 85 vezes no N.T. e proseuchê (oração) 37 vezes (especialmente em atos). O verbo simples euchomai (pedir, fazer voto) ocorre apenas 6 vezes e euchê (oração, juramento, voto) 3 vezes.
[3] Ver BCW pergunta 98.
[4] Axioma: Afirmação evidente por si mesma, aceita como verdade sem a necessidade de demonstração.
[5] Corolário: Inferência lógica de um axioma.
[6] Matthew Henry – “Method for prayer”.
[7] Ver “A paixão de Deus por Sua glória” pág 200, Cultura Cristã.