A visão nos capítulos 4-5, no livro de apocalipse, retrata um mundo celestial onde o trono de Deus e do cordeiro estão no centro, com todas as demais coisas de toda a criação o rodeando, na seguinte ordem:
1. Um arco-íris;
2. Os seres viventes que guardam o trono;
3. 24 anciãos sentados em tronos num segundo círculo externo;
4. E finalmente todas as outras criaturas do Universo.
As 17 referências ao trono de Deus nesses capítulos (do total 34 no livro), sublinha a centralidade da Soberania de Deus, pela qual Ele é climaticamente glorificado em 4.9-11 e 5.12-13.
Deus e Cristo são supremamente glorificados mediante ressurreição de Cristo, o que demonstra que Eles são soberanos sobre a criação, tanto para julgar, como para redimir.
Podemos claramente deduzir dos caps. 4 e 5, que o cordeiro está na mesma posição divina que o próprio Deus, um ponto reiterado ao longo do restante do livro, sendo também insinuado anteriormente.
Os caps. 4-5 introduzem e ofuscam todas as visões em 6.1-22.5, que fluem dessa visão introdutória e são para serem vistas como as consequências históricas da soberania Divina em seu exercício de redenção e julgamento (Beale). Deus e Cristo estão no controle supremo de todas as “desgraças” na vida dos crentes e também na vida dos descrentes.
A Soberania deles (de Cristo e de Deus) sobre tais eventos que consideramos desagradáveis, coloca diante de nós um problema teológico: Como pode a justiça, bondade e santidade de Cristo e de Deus serem mantidas se eles estão tão diretamente ligados como a causa suprema por trás de todos os julgamentos e por trás dos agentes demoníacos que realizam muito dos julgamentos destrutivos sob a definitiva supervisão Divina?
Alguns teólogos não acham que há um problema teológico, uma vez que eles não veem Cristo e Deus como a causa imediata dos julgamentos. Cristo, eles dizem, apenas permite ou tolera tais personagens como os 4 cavaleiros que executam suas desgraças.
Não apenas apocalipse vê o trono divino como ultimamente por trás das provações dos crentes e desgraças dos descrentes, mas a maioria das passagens formativas do AT para os selos, trombetas e taças, sem exceção, tem deus como a causa suprema das provações (Zc 6.1-8; Ez. 14.21; Lv. 26.18-28 e seus usos em Ap. 6.2-8).
A resposta para essa dificuldade teológica reside no objetivo final das desgraças, que é refinar a fé dos crentes e punir os infiéis, resultando na glorificação do Deus Trino.
A conexão direta entre os caps. 4-5 e as desgraças dos cavaleiros em 6. 1-8 esclarece esta questão. 6: 1-8 fala de um dos efeitos da morte e ressurreição de Cristo. Ele transformou o sofrimento da cruz em um triunfo, ganhou a soberania sobre os poderes do mal, que o tinham crucificado (cf. 1:18; Col. 2:15), e, posteriormente, usou-os para alcançar seus propósitos de aperfeiçoar o seu povo e punir aqueles que são recalcitrantes em sua maldade.
No final de ambos os caps. 4 e 5, e também no fim das visões, em 19: 7-8, afirma-se que os santos existem para glorificar a Deus; essa glorificação vem na conclusão da história por causa do casamento do Cordeiro com a sua noiva, que será perfeitamente adornado para a ocasião; o foco na noiva adornada se destina a levar os santos para glorificar a Deus.
Esta noção de glória divina é fundamental também para 21:1-22:5, uma vez que, como já vimos, a nova Jerusalém (= povo de Deus) só pode ser definida em relação à sua reflexão luminescente da glória de Deus (Beale).
De fato, a característica central da cidade é Deus e o Cordeiro, que brilha como uma lâmpada sobre a cidade (cf. 21: 22-23; 22: 5), de modo que a definição mais completa da nova Jerusalém é o povo de Deus em comunhão plena com Deus e Cristo, refletindo a glória de Deus e de Cristo.
Introdução
O propósito dessa pequena série de reflexões não é atentar para a teologia do livro de apocalipse (como p. ex. estudar a natureza de Deus, a Trindade, Cristologia, Eclesiologia, Teodiceia, Escatologia, etc, no livro de apocalipse). Antes meu humilde propósito é proporcionar reflexões teológicas importantes tanto no livro de apocalipse como na teologia bíblica do apóstolo João. Não irei tratar de questões introdutórias ao livro (como data, autoria, propósito, estrutura, gramática etc), o leitor perceberá essas questões pressupostas ao longo das reflexões (como o pressuposto de que foi o apóstolo João o autor).
Espero que as reflexões pontuadas in nuce, possa ajudar o leitor em sua compreensão desse maravilhoso e difícil livro da Escritura.
1. A vitória de Jesus.
Podemos notar que no livro de apocalipse, assim como no evangelho de João, a morte e aparente derrota de Cristo na cruz, é na realidade, seu glorioso triunfo sobre satanás.
Ap. 5. 5-14
5 E disse-me um dentre os anciãos: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a raiz de David, venceu para abrir o livro e romper os sete selos. 6 Nisto vi, entre o trono e os quatro seres viventes, no meio dos anciãos, um Cordeiro em pé, como havendo sido morto, e tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus, enviados por toda a terra. 7 E veio e tomou o livro da destra do que estava assentado sobre o trono. 8 Logo que tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. 9 E cantavam um cântico novo, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, e língua, e povo e nação; 10 e para o nosso Deus os fizeste reino, e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra. 11 E olhei, e vi a voz de muitos anjos ao redor do trono e dos seres viventes e dos anciãos; e o número deles era miríades de miríades; e o número deles era miríades de miríades e milhares de milhares, 12 que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. 13 Ouvi também a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e no mar, e a todas as coisas que neles há, dizerem: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos: 14 e os quatro seres viventes diziam: Amém. E os anciãos prostraram-se e adoraram.
O cordeiro ao morrer em resgate do povo de Deus recebe glória no mesmo nível que Deus o Pai. Na Cristologia Joanina, a glorificação de Cristo tem seu inicio na sua morte na cruz. Essa é a “ironia da cruz” sempre ensinada pela igreja, ou seja, Jesus reina e é glorificado na cruz, porque na cruz Ele vence nossos pecados e o diabo com seus demônios.
2. Seguindo os passos de Jesus.
Os seguidores do cordeiro são chamados a imitar o paradigma da vitória irônica de Cristo em suas próprias vidas. Através da perseverança da igreja em meio a tribulação, ela reina no reino invisível do Messias (cf. 1.9).
O corpo de Cristo exerce sua função real em meio a todo o sofrimento da mesma maneira que Cristo exerceu na cruz.
Apesar do corpo “externo” dos cristãos estarem sujeito a sofrimento e morte, Deus é fiel para guardar a alma regenerada de todos os santos.
3. A derrota dos inimigos da igreja.
Quando os inimigos da fé cristã persegue a igreja com sofrimento e morte, eles derrotam a si mesmo espiritualmente, eles se autodestroem, da mesma maneira que satanás foi derrotado mediante a cruz de Cristo.
Ainda que aparentemente aos olhos humanos, satanás teve uma vitória física sobre Cristo, o que ocorreu na realidade foi sua humilhante derrota. Essa realidade foi expressa em outras palavras pelo pensamento paulino em resposta ao movimento herético em Colossos da seguinte maneira: “…havendo riscado o escrito de dívida que havia contra nós nas suas ordenanças, o qual nos era contrário, removeu-o do meio de nós, cravando-o na cruz, e, tendo despojado os principados e potestades, os exibiu publicamente e deles triunfou na mesma cruz” (Cl. 2.14-15).
A opressão exercida contra os cristãos (quando não há arrependimento posterior), estabelece um aumento do juízo/condenação sobre os opressores na ocasião do julgamento final, e até mesmo se torna expressões de julgamentos presentes de endurecimento do coração das pessoas impenitentemente rebeldes (para João, com o advento de Cristo, há a inauguração do julgamento/condenação escatológico).
Percebemos uma relação paralelamente recíproca entre os dois povos. O povo de Deus sofrendo fisicamente mas triunfando espiritualmente da mesma maneira que seu Senhor, o Cristo. Da mesma sorte, o povo contra a igreja aparentemente triunfa na esfera física, oprimindo e matando a igreja, mas se auto derrotam e se auto destroem assim como o diabo, senhor deles.
O propósito retórico principal do argumento literário de João em Apocalipse (conforme colocado por Beale) é exortar o povo de Deus (que na ocasião passava por duras perseguições) a permanecer fiel ao chamado para seguir o exemplo paradoxal do cordeiro, e não se comprometerem, tudo com o propósito de herdarem a salvação final.
Entretanto, esse não é o alvo teológico principal do livro. O maior motif teológico do livro é a glória devida a Deus, por Ele ter adquirido plena salvação e condenação final.
Até mesmo a noção de Cristo e sua igreja reinando ironicamente em meio ao sofrimento, e a ideia dos perseguidores descrentes experimentando derrota espiritual em meio a sua vitória física, demonstra a suprema sabedoria de Deus, apontando para Sua Glória resultante disso tudo.
“Texto fora de seu contexto é pretexto para heresia”! Essa frase, sem dúvida, é bastante conhecida. Entretanto a máxima hermenêutica “todo texto deve ser interpretado pelo seu contexto” é uma metodologia conhecida por muitos, porém praticada por poucos. Através desse breve artigo gostaria de incentivar os leitores a levarem as Escrituras mais a sério, realizando um trabalho mais duro, porém que nos proporciona melhores frutos. Devemos nos esforçar para compreendermos um livro Bíblico em sua totalidade, sua estrutura e seu propósito. Assim, ao nos aproximarmos do texto, teremos um entendimento mais rico, profundo e preciso, interpretando as partes à luz do todo e não vice-versa.
O livro analisado aqui será o Evangelho de João.
A primeira pergunta que deve ser levantada é: Qual é o propósito do evangelho de João? Por que João escreveu esse livro?
Diferente dos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), onde precisamos de uma análise mais aprofundada do texto para encontrarmos seu propósito, João expressa e claramente nos diz qual é a sua meta ao escrever esse evangelho. Encontramos isso em João 20.30-31:
“30 Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão escritos neste livro; 31 estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”
Mais claro e direto impossível. João escreve esse evangelho para que seus leitores (originais e todos quantos lerem posteriormente) creiam que Jesus é o Messias, profetizado e prometido no Antigo Testamento e que Ele é o próprio Filho de Deus. E não somente isso, mas crendo, seus leitores tenham vida através de Jesus. Essa é uma das características de João. Ele diz coisas extremamente profundas e chocantes, da forma mais clara e direta possível (p. ex., João escreve sem rodeios que Jesus é o próprio Deus).
Encontramos no Evangelho de João tanta harmonia e beleza, que sua estrutura é as vezes chamada de “estrutura sinfônica”, ou “melodia estrutural”. Em uma visão mais ampla, podemos dividir a macroestrutura desse evangelho em 4 partes:
I. Prólogo (1.1-18)
II. Livro dos Sinais (1.19-12.50)
III.Livro da Glória (13.1-20.31)
IV. Conclusão (21)
Como vimos acima, João escreve esses “sinais” com o alvo de seus leitores verdadeiramente crerem em Jesus como Cristo e Filho de Deus. João alcança seu propósito já nessa primeira seção (maior) do livro, conhecida didaticamente como o “livro dos sinais”.
O pano de fundo desses sinais está no Antigo Testamento. Temos (pelo menos) dois antecedentes importantes no AT para os sinais de Jesus: 1. Sinais e prodígios que Moisés realizou no êxodo; 2. Atos proféticos simbólicos que denotam juízo futuro (p. ex. Is 20.3). João retrata Jesus como o “novo Moisés” (ou Moisés escatológico), sendo ele (Jesus) o mediador supremo entre Deus e os homens, portador absoluto da revelação Divina (sendo Ele mesmo a palavra de Deus), e efetuador da salvação do povo de Deus (o novo êxodo). Aqueles que creem em Jesus são beneficiados com a eterna redenção. Entretanto, aqueles que rejeitam a Cristo (como os judeus nesse evangelho), encontram o juízo escatológico Divino em condenação (ambos os temas – condenação/redenção – inaugurados com a vinda e obra de Cristo).
Nesta seção do “Livro dos Sinais”, João escolhe a dedo sete sinais realizados por Jesus (número 7 como expressão de plenitude/perfeição na mentalidade judaica). Os sinais são:
1º Sinal: Transformação da água em vinho no casamento em Caná (2.1-11).
2º Sinal: Ato profético da purificação do templo (2.13-22).
3º Sinal: Cura a distancia do filho do oficial do rei (4.46-54).
Capítulos 5-10 são caracterizados pela controvérsia crescente entre Jesus e seus oponentes judeus.
4º Sinal: A cura de um homem aleijado havia 38 anos, e a controvérsia sobre o sábado (cap. 5).
5º Sinal: A multiplicação de pães para a multidão (cap. 6).
6º Sinal: A cura do cego de nascença (cap. 9).
7º Sinal: O ápice dos sinais – A ressurreição de Lázaro (seção de transição nos caps. 11-12).
11.Ressurreição de Lázaro (11.1-57)
12.A unção em Betânia (12.1-11)
13.Entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (12.12-19)
14.A era dos gentios (12.20-36)
15.Os sinais do Messias e a rejeição por parte de Israel (12.37-50)
Nesta segunda seção maior desse evangelho (ou 3º na macroestrutura), é caracterizada pela exaltação/glorificação de Jesus em Sua morte e ressurreição. Entretanto, antes disso, Jesus prepara seus discípulos para as coisas que haveriam de acontecer, purificando-os e ensinando-os em Seu último discurso. A estrutura dessa seção é:
1. O discurso de Despedida (caps. 13-17).
1. Preâmbulo
A purificação da nova comunidade messiânica: Lavagem dos pés e a partida de Judas (13.1-30).
2. O discurso (13.31-16.33).
13.A partida de Jesus e o envio do Espírito (13.31-14.13).
14.Jesus, a videira verdadeira (15.1-17).
15.O Espírito e o testemunho dos discípulos no mundo (15.18-16.33).
3. Oração Final (cap. 17).
1. A narrativa da paixão
1. A traição e a captura de Jesus e seu julgamento judaico (18.1-27)
2. O julgamento romano de Jesus (18.28-19.16a).
3. A crucificação e o sepultamento de Jesus (19.16b-42).
4. A ressurreição de Jesus e o propósito do evangelho (20.1-31)
1. Jesus aparece a 7 discípulos (21.1-14)
2. Jesus e Pedro (21.15-19)
3. Jesus e seu discípulo amado (21.20-25)
Espero ter transmitido algum ensino a encorajamento na difícil tarefa de interpretar as Escrituras a você cristão, que ama a Palavra de Deus, e busca entende-la e vive-la para a Glória de Deus em Cristo.
Soli Deo Gloria
Existem três principais interpretações sobre o milênio, e todas elas com amplas variações que não serão catalogados aqui devido ao limite do nosso espaço. In nuce, temos: 1. O pré-milenismo, que entende a inauguração do milênio após a parúsia de Cristo; 2. O pós-milenismo, entende que o milênio ocorrerá no fim da era da igreja e que a vinda de Cristo será próximo ao fim do milênio, e; 3. O amilenismo, que entende que o milênio foi inaugurado com a ressurreição de Jesus, e terminará com sua vinda climática final (essa posição é mais bem representada pelo termo “milenismo inaugurado”, visto que “amilenismo” é muito vago) As duas últimas visões (Pós e Amilenismo) abordam apocalipse 20 de acordo com a interpretação simbólica do livro.
O propósito dessa pequena série de curtos artigos não é apresentar uma investigação exegética exaustiva da passagem proposta (isso requereria todo um livro), mas apenas pontuar algumas considerações exegéticas sobre o texto.
O milênio é inaugurado durante a era da igreja pela restrição Divina sobre a habilidade de satanás em enganar as nações e em aniquilar a igreja (20.1-3).
20.1 “Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente”. Essa chave é melhor entendida dentro do contexto do próprio livro de apocalipse. Essa chave do abismo provavelmente é a mesma que a chave da morte e do Hades que Cristo segura no capítulo 1, por ter derrotado a morte através da sua ressurreição (1.18). Assim, a chave figurativamente significa a Soberania de Cristo sobre o reino da morte. A mesma chave aparece novamente no capítulo 3, onde Cristo tem autoridade, não somente para ressuscitar os mortos no fim das eras, mas também de infundir vida espiritual na era presente[1]. Essa infusão de vida inclui a prevenção de que o maligno não iria mais enganar os membros da “sinagoga de satanás” na Filadélfia, para que eles conheçam a verdade e recebam vida espiritual (3.7-9).
A soberania de Cristo sobre a esfera da morte é amplificada no cap. 6[2]. Quando Cristo abri o quarto selo, temos a representação de sua suprema autoridade durante sua primeira e segunda vinda, subordinando os poderes satânicos da “morte e do hades” (6.8). Da mesma forma, a chave do poço do abismo o cap. 9 representa a autoridade soberana de Deus sobre os poderes demoníacos que habitam no reino da morte (9.1-2)[3]. Esses poderes demoníacos foram limitados por Deus para não afetar aqueles que possuíam o “selo de Deus sobre a fonte”.
A chave do abismo em 20.1 é similar as chaves dos caps. 1, 3, 6 e 9, especialmente dos caps. 6 e 9, que retratam realidade durante a era da igreja. O abismo de 19.1-2 e 20.1 provavelmente é sinônimo de “morte e Hades” em 1.8 e 6.18. Como em 6.8 e 9.1-2, aqui em 20.1-3 o reino satânica está sob a autoridade de Cristo, mediada aqui por um anjo, e em 20.1 apenas o diabo está sob a autoridade do anjo. Assim o símbolo da chave nos caps. anteriores possui geralmente um sentido de sobreposição com o uso em 20.1, ainda que a aplicação em cada caso seja diferente[4].
20.2 “Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos”. O debate aqui flui quase ad infinitum. Entretanto, se a relação entre as chaves acima estiver correta (que diz respeito a realidades inter-adventos), então a prisão do diabo e o milênio deve ser melhor entendida como a suprema autoridade de Cristo restringindo o maligno de alguma maneira ao longo da era da igreja[5]. Assim a restrição de satanás é um resultado direto da ressurreição de Cristo. O aprisionamento, expulsão, queda, do diabo aparecem em outros lugares do Novo Testamento nos mesmo termos, e a derrota decisiva do diabo ocorre com a morte e ressurreição de Jesus (Mt. 12:29; Mc 3:27; Lc 10:17–19; Jo 12:31–33; Cl. 2:15; Hb. 2:14)[6]. Mais estritamente, o aprisionamento pode ter sido inaugurado durante o mistério terreno de Jesus (Mt. 12:29; Mc 3:27; Lc 10:17–19). O aprisionamento foi climaticamente inaugurado com a ressurreição de Jesus, e deve permanecer até (perto) sua segunda vinda. De fato, 20.7-9,marca o fim do aprisionamento imediatamente antes da vinda final de Cristo.
A questão é: Como exatamente esse aprisionamento deve ser definido? À luz de 1.18 e 3.7-8, podemos dizer que satanás não tem mais autoridade sobre o reino da morte, como tinha ante da ressurreição de Jesus, pois ele próprio está sob autoridade messiânica, desde que o Messias gloriosamente triunfou sobre a morte e sobre o diabo através de sua ressurreição[7].
20.3 “Lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, é necessário que ele seja solto pouco tempo”. O verso 3 mostra especificamente a natureza do aprisionamento de satanás, i.e., “para que (ἵνα) não mais enganasse as nações”. Alguns argumentam que a prisão do diabo faz cessar absolutamente todas as suas atividades na terra. Entretanto, o aprisionamento (δέω) dele em Mc 3.27 (=Mt 12.29), não restringe todas as suas habilidades, antes, enfatizam a autoridade soberana de Jesus sobre ele. Portanto, o contexto e não a metáfora em si deve determinar o significado da prisão[8].
O diabo é expulso (ἐκβάλλω) pela morte de Cristo, mas isso não o restringe de todas as formas possíveis. Antes, isso o restringe de não permitir que as pessoas de toda a terra sejam atraídas para/por Jesus (Jo 12.31-32). O selo colocado sobre o diabo pode conotar encarceramento total, mas também pode conotar “autoridade sobre” (Dn 6.17). O selo de Deus sobre os cristãos não os protege de todas as formas, mas só os protege espiritualmente, salvíficamente, pois os cristãos sofrem perseguições físicas de muitas maneiras e até morrem por causa disso. O selo de Deus sobre Satanás o impede de prejudicar a segurança salvífica da verdadeira igreja, embora ele possa prejudica-la fisicamente[9].
Agora que a natureza do aprisionamento foi definida, outra questão precisa ser levantada: No que consiste o “enganar as nações”? Devemos olhar para o contexto novamente, e não para nossas especulações. Os versos 7-10 provê a resposta mais próxima, visto que o verso 7 começa onde o 3 termina. Em 20.7-10 o diabo é solto para seduzir as nações a fim de reuni-las para exterminar a comunidade do povo de Deus na terra[10]. Isso ocorrerá no fim da história, imediatamente antes do glorioso retorno de Cristo, que irá destruí-los com fogo.
Uma análise mais completa do restante das evidências no Novo Testamento, bem como o uso do Antigo Testamento aqui corrobora nosso ponto, entretanto, o espaço não permite tal análise.
[1] Beale, G. K. (1999). The book of Revelation: a commentary on the Greek text (p. 984). Grand Rapids, MI; Carlisle, Cumbria: W.B. Eerdmans; Paternoster Press.
[2] Ibid.
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] Ibid.
[8] Ibid.
[9] Ibid.
[10] Ibid.
João declara explicitamente qual é o propósito do seu evangelho, é para que seus leitores tenham “vida” no nome de Jesus. O termo vida é de extrema importância para João, tanto que ele a usa 35 vezes, ¼ das ocorrências em todo o Novo Testamento[1]
Beirando a metade dessas ocorrências, João une o adjetivo “eterna”, e as expressões vida e vida eterna são equivalentes. Qual é esse significado?
O Antigo Testamento usa a expressão vida eterna apenas uma vez, mas serve como o paradigma para a literatura judaica próxima ao tempo de João.
Na última visão de Daniel, um ser angelical aparece a Daniel e relata o que acontecerá no fim dos tempos. Após um tempo de grande sofrimento, Deus libertará seu povo e “multidões que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a vergonha, para o desprezo eterno (Dn 12.2).
Da mesma forma, o segundo dos mártires macabeus desafia o rei sírio Antíoco IV com essas palavras “… o Rei do mundo nos fará ressuscitar para uma revivificação eterna da vida (2 Mac 7.9). Similar a Daniel, aqui Deus restaura a vida de um fiel em meio ao sofrimento que morrera.
Daniel faz um nítido contraste entre a vida eterna dos justos com a vergonha eterna dos ímpios que perseguiram o povo de Deus [2]. Esse chocante contraste reaparece no livro Salmos de Salomão, escrito no séc. I A.C., mais próximo dos dias de João:
A destruição do pecador é para sempre, e ele não será lembrado quando (Deus) procurar pelo justo. Esta é a parte dos pecadores para sempre, mas os que temem o Senhor se levantarão para a vida eterna e a sua vida transcorrerá à luz do Senhor, e ela nunca terá fim (Salmos de Salomão 3. 11-12)..
Ao lermos o evangelho de João, percebemos uma continuidade com a tradição escatológica judaica, ou seja, a vida eterna ainda está porvir. Mas João não simplesmente continua e aceita essa tradição, mas também a modifica. Ecoando as palavras de Daniel 12. 2 Jesus disse: “… todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (Jo 5. 28-29). D. A. Carson mostra que “a ressurreição apocalíptica futura e final está em vista aqui” [3].
Jesus também fala a respeito do ódio pela própria vida “neste mundo” a fim de conserva-la para a vida eterna de maneira tal que quase duplica o contraste tradicional entre o tempo presente e a era futura (Jo 12.25)[4]. Do mesmo modo, ele usa a linguagem tradicional a respeito da ressurreição dos mortos no “último dia” (Jo 6. 39, 40b, 44b, 54b, Cf 12.48)[5].
Frank Thielman observa corretamente que a diferença crucial entre o uso desse conceito no evangelho de João e o uso tradicional nos textos judeus e cristãos está no modo enfático pelo qual João assevera que a “vida eterna” se torna realidade no presente, antes da morte física e do “último dia”[6].
Em 4. 36, usando a ilustração da colheita encontrada na tradição para descrever a restauração ou o juízo escatológico (Is 27.12; Am 9.13; Jl 3.13; MT 13. 39-42; Ap 14. 15-16), Jesus diz que aquele que colhe já recebe seu salário e colhe o fruto para a vida eterna[7].
Também em 6.40, Jesus diz à multidão de galileus que todo aquele que vê o filho e crê Nele tem “a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”. A tradicional ordem de primeiro a ressurreição e depois a vida eterna foi invertida aqui. Para João, a vida eterna está disponível no presente para os que creem no Filho de Deus, e a sua ressurreição dos mortos acontecerá no último dia[8].
A expressão mais clara dessa alteração dramática na expectativa escatológica tradicional ocorre em 5. 24-25[9], em que Jesus diz:
“Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão”[10].
Sair do estado de morte e passar para o estado de vida se torna uma possibilidade para o aqui e o agora através do ouvir e do crer nas palavras de Jesus. Como o próprio Jesus expressou na sua oração que conclui seus discursos de despedida: “A vida eterna é esta, que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (17.3).
Igualmente, aos que não creem, experimentam a condenação escatológica no tempo presente, bem como o derramar da ira de Deus (Jo 3.18; 36).
João nos ensina que com a vinda do Messias, Jesus Cristo, as expectativas escatológicas foram inauguradas, e elementos como a vida eterna e a condenação foram deslocados para o futuro, dependendo da resposta individual as palavras de Jesus. A hora não está somente porvir, mas é agora. Com isso ele não nega a realidade futura ainda porvir, mas nos chama para crer em Jesus e experimentar a vida abundante que Ele proporciona aos seus.
A vida cristã não é meramente moralidade e regras, mas é viver neste mundo a realidade do porvir.
[1] A palavra vida ocorre 135 vezes no Novo Testamento, o que quer dizer que 27% das ocorrências estão no evangelho de João.
[2] Esse contraste também é muito frequente no Novo Testamento. A vida eterna é uma realidade escatológica, algo pelo qual o povo de Deus espera, que é contrastada com a destruição eterna dos ímpios (Cf. Rm 2. 7-8; Mt 25. 46; etc).
[3] D. A. Carson, “O comentário de João”, p. 259.
[4] Frank Thielman, “Teologia do Novo Testamento”, p. 207.
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] Schnackenburg, “St. John”, Vol I, p. 450-1.
[8] Thielman, p. 208.
[9] Ibid.
[10] “αμην αμην λεγω υμιν οτι ο τον λογον μου ακουων και πιστευων τω πεμψαντι με εχει ζωην αιωνιον και εις κρισιν ουκ ερχεται αλλα μεταβεβηκεν εκ του θανατου εις την ζωην αμην αμην λεγω υμιν οτι ερχεται ωρα και νυν εστιν οτε οι νεκροι ακουσονται της φωνης του υιου του θεου και οι ακουσαντες ζησονται”.